Continuation...
“O que disseste, filho, é o que qualquer biólogo diria, fica descansado. Mas, se perguntares a um biólogo o que é a vida, ele vai-te responder mais ou menos assim: a vida é um conjunto de processos complexos baseados no átomo de carbono.” Ergueu o indicador. “Atenção. Mesmo o mais lírico dos biólogos reconhece, no entanto, que a expressão-chave desta definição não é átomo de carbono, mas processos complexos. É verdade que todos os seres vivos que conhecemos são constituídos por átomos de carbono, mas não é isso verdadeiramente que é estruturante para a definição da vida. Há bioquímicos que admitem que as primeiras formas de vida na Terra não foram baseadas nos átomos de carbono, mas nos cristais. Não interessa se é o átomo A ou o átomo B. Imagina que eu tenho o átomo A na cabeça e que, por algum motivo, ele é substituído pelo átomo B. Será que eu deixo de ser eu só por esse motivo?” Abanou a cabeça. “Não me parece. O que faz com que eu seja eu é um padrão, uma estrutura de informação. Ou seja, não são os átomos, é a forma como os átomos se organizam.” Tossiu. “Sabes de onde é que vem a vida?”
“Vem de onde?”
“Vem da matéria.”
“Ora, grande novidade!”
“Não estás a perceber onde é que eu quero chegar.” Bateu com o dedo na mesa. “ Os átomos que estão no meu corpo são exactamente iguais aos átomos que estão nesta mesa ou numa qualquer galáxia distante. Eles são todos iguais. A diferença está na forma como eles se organizam. O que é que achas que organiza os átomos de modo a formarem células vivas?”
“Uh… não sei.”
“Será uma forma vital? Será um espírito? Será Deus?”
“Se calhar…”
“Não filho”, disse, abanando a cabeça. “O que organiza os átomos de modo a formarem células vivas são as leis da física. É essa a questão central. Repara, como pode um conjunto de átomo inanimados formar um sistema vivo? A resposta está na existência de leis de complexidade. Todos os estudos mostram que os sistemas se organizam espontaneamente, de modo a criarem sempre estruturas cada vez mais complexas, em obediência às leis da física e exprimindo-se por equações matemáticas. Houve até um físico que ganhou um Prémio Nobel por demonstrar que as equações matemáticas por detrás da equações químicas inorgânicas são semelhantes às equações que regem os padrões de comportamento simples de sistemas biológicos avançados. Ou seja, os organismos vivos são, na verdade, o produto de uma incrível complexificação dos sistemas inorgânicos. E essa complexificação não resulta da actividade de uma qualquer força vital, mas da organização espontânea da matéria. Uma molécula, por exemplo, pode ser constituída por um milhão de átomos ligados de uma forma muito especifica e complicada, e a sua actividade é controlada por estruturas químicas tão complexas que se assemelham a uma cidade. Entendes onde eu quero chegar?”
“Hum… sim.”
“O segredo da vida não está nos átomos que constituem a molécula, está na sua estrutura, na sua organização complexa. Essa estrutura existe porque obedece a leis de organização espontânea da matéria. E, da mesma maneira que a vida é o produto da complexificação da matéria inerte, a consciência é o produto da complexificação da vida. A complexidade da organização é que é a questão-chavem, não é a matéria.” Abriu uma gaveta e pegou num livro de receitas, que abriu, exibindo o interior. “Estás a ver estas letras? Estão impressas com que cor de tinta?”
“Preta.”
“Imagina que, em vez de tinta preta, o tipógrafo utilizava tinta roxa.” Fechou o livro e acenou com ele. “Será que a mensagem deste livro deixaria de ser a mesma?”
“Claro que não.”
“É evidente que não. O que faz a identidade deste livro não é a cor da tinta das letras, é uma estrutura de informação. Não importa que a tinta seja preta ou roxa, importa é o conteúdo informativo do livro, a sua estrutura. Posso ler uma Guerra e Paz impresso com fonte Times New Roman e outro Guerra e Paz de uma editora diferente impresso com fonte Arial, mas o livro será sempre o mesmo. É, em qualquer circuntância, o Guerra e Paz de Leo Tolstoi. Pelo contrário, se tiver um Guerra e Paz e um Anna Karenina impressos com a mesma fonte, por exemplo Times New Roman, isso não fará com que os dois livros se tornem a mesma coisa, pois não? O que é estruturante, pois, não é a fonte nem a cor da tinta das letras, é a aestrutura do texto, a sua semântica, a sua organização. O mesmo se passa com a vida. Não importa se a vida é baseada no átomo de carbono ou em cristais ou em qualquer outra coisa. O que faz a vida é uma estrutura de informação, é uma semântica, é uma organização complexa. Eu chamo-me Manuel e sou professor de Matemática. Podem-me tirar o átomo A e meter o átomo B no corpo, mas, desde que esta informação seja preservada, desde que esta estrutura se mantenha intacta, eu continuo a ser eu. Podem-me mudar todos os átomos e substituí-los por outros, que eu continuo a ser eu. Aliás, já está provado que, ao longo da vida, vamos mesmo mudando quase todos os átomos. E, no entanto, eu continuo a ser eu. Peguem no Benfica e mudem-lhe todos os jogadores. Mas o Benfica permanece, continua a ser o Benfica, independentemente de jogar este ou aquele jogador. O que faz o Benfica não são os jogadores A ou B, é um conceito, é uma semântica, é uma estrutura de informação. O mesmo se passa com a vida. Não interessa qual o átomo que, num dado momento, preenche a estrutura. O que interessa é a estrutura em si. Desde que os átomos viabilizem a estrutura de informação que define a minha identidade e as funções dos meus órgãos, a vida é possível. Entendes?”
“Sim.”
“A vida é uma muito complexa estrutura de informação e todas as suas actividades envolvem processamento de informação.” Tossiu. “esta definição, no entanto, tem uma profunda consequência. É que, se o que constitui a vida é um padrão, uma semântica, uma estrutura de informação que se desenvolve e interage com o mundo em redor, nós, feitas as contas, somos uma espécie de programa. A matéria é o hardware, a nossa consciência é o software.” Encostou o dedo à testa. “Nós somos um muito complexo e avançado programa de computador.”
“E qual é o programa desse… uh… computador?”
Continues...
(ıη Ϝσᴙмᴜʟα ∂ԑ ᴅԑᴜs, נσsé ᴙσ∂ᴙıɢᴜԑs ∂σs sαηᴛσs)
1 comentário:
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